Nathália Viviani Bittencourt
15/09/2021
Em depoimento sobre as relações China - EUA no ano de 2019, o estrategista Andrew Krepinevich pontuou que existe a probabilidade de que a sociedade testemunhe mudanças perturbadoras de competição militar nos próximos anos, o que poderia revelar uma nova revolução neste setor. Dentre as formas que o autor cita de empregos modernos no campo de batalha, a guerra algorítmica - que se manifesta por meio de operações dominadas pelo emprego de sistemas de inteligência artificial - seria uma tendência a ser aplicada em conjunto com outras forças (KREPINEVICH, 2019).
Além disso, em matéria recente, o autor ressaltou a complexidade dos combatentes em função da ampliação de domínios de guerra, cuja interconectividade é capaz de afetar uns aos outros, sendo eles, para além dos âmbitos tradicionais: o submarino (undersea), o mar profundo (seabed), o eletromagnético, o espaço e ciberespaço (KREPINEVICH, 2020). Nessa perspectiva, as tecnologias de informação e comunicação e os avanços da performance computacional têm proporcionado o aumento de velocidade e precisão de artefatos militares sem precedentes na humanidade.
Diante desse cenário, os oficiais do Departamento de Defesa dos EUA têm sido treinados para compreender como as tecnologias em operações cibernéticas estão sendo integradas à guerra moderna, incluindo uma exploração da história da tecnologia emergente e seu impacto nas forças armadas. Além disso, a compreensão da forma pela qual o desdobramento de capacidades modernas permite novas considerações na formação e prática da estratégia tem sido um desafio para a comunidade militar. Com efeito, conforme assenta Ben Connable et al. (2019), a melhor tecnologia do mundo torna-se irrelevante sem o seu devido conhecimento e coordenação pelos seus combatentes aliados aos fundamentos básicos de doutrina no campo de batalha.
Isto posto, ainda que algumas tecnologias de ponta tenham o potencial de aumentar o poder militar, a sua devida integração com o corpo de talentos se torna mais efetiva com a compreensão dos seus limites, suas capacidades e o seu uso ético conforme as leis e a doutrina nacionais e internacionais de guerra. Nesse sentido, o Departamento de Defesa dos EUA (2020) lançou um documento no qual apresenta o currículo educacional em matéria de inteligência artificial - cuja promessa tecnológica de aumento de poder militar tem provocado um misto de euforia pelas suas capacidades e especulações acerca da substituição do homem pelas máquinas na guerra.
Ressalta-se que a inteligência artificial não é uma única peça de hardware ou software, mas um conjunto de tecnologias que necessita de uma miríade de atributos, como dados, hardware, algoritmos, aplicativos e talentos. Dessa forma, trata-se de uma tecnologia de uso dual por excelência, de modo a ser usada para fins civis e militares. Suas aplicações permitem que máquinas percebam e decidam mais rapidamente e com mais precisão do que um humano, o que pode representar uma vantagem competitiva e estratégica aos Estados.
Em termos de insumo diferencial para as forças armadas, os aplicativos de IA podem auxiliar na preparação, antecipação, decisão e precisão de alvos com mais rapidez e eficiência. Entretanto, conforme acentuado, sua adoção exige o desenvolvimento de novas táticas e conceitos operacionais para fatores como coleta e assimilação de dados superiores, conectividade, poder de computação, algoritmos e segurança do sistema. Diante disso, o Departamento de Defesa dos EUA criou o JAIC - Joint Artificial Intelligence Center como medida para tirar o máximo de proveito de suas capacidades, limites e o seu uso responsável pelas forças armadas. Além disso, em 2020 lançou-se um currículo de educação de princípios básicos de inteligência artificial, o qual apresente uma lista de 8 (oito) competências dividida em níveis básico, intermediário a avançado, conforme pode ser observado na figura a seguir:
Figura 1: Currículo baseado no nível de compreensão e competência da área temática
Fonte: EUA, 2020, p. 10
Em arremate, percebe-se que as competências a serem adquiridas pelas forças armadas dos EUA abrange não somente o conhecimento de ferramentas de coleta, análise e engenharia de dados, estatística ou matemática, mas também o seu uso responsável e estratégico pela sua operabilidade ética, riscos de aplicabilidade (como vulnerabilidades no âmbito cibernético), dentre outros. Se o futuro da guerra chegou com os supercomputadores na Era do Big Data, as forças armadas mais poderosas do mundo certamente levarão a cabo a sua capacitação holística pelos seus combatentes como diferencial de poder e influência de sua vontade nas relações internacionais.
REFERÊNCIAS
CONNABLE, B. et al. Will to Fight: analyzing, modeling, and simulating the will to fight of military units. RAND Corporation, 2020. Disponível em: https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR2341.html Acesso em 30 de junho de 2021.
ESTADOS UNIDOS. Summary of the 2018 Department of Defense Artificial Intelligence Strategy. Department of Defense, 2018. Disponível em https://media.defense.gov/2019/Feb/12/2002088963/-1/-1/1/SUMMARY-OF-DOD-AI-STRATEGY.PDF. Acesso em 20 de junho de 2021.
_________________. AI Education Strategy. DoD Joint AI Center, setembro de 2020. Disponível em: https://www.ai.mil/docs/2020_DoD_AI_Training_and_Education_Strategy_and_Infographic_10_27_20.pdf. Acesso em 20 de junho de 2021.
KREPINEVICH, A. U.S.-China Relations in 2019: A Year in Review. Hudson Institute, 2019. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/media.hudson.org/Krepinevich_US-China%20Relations%20in%202019%20Testimony.pdf. Acesso em 20 de junho de 2021.
________________. Finding Strength in Decline - The U.S. Military Needs a Plan to Compete Without the Advantages of the Past. Foreign Affairs, 10 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-12-10/finding-strength-decline. Acesso em 20 de junho de 2021.
LAUNCHBURY, J. DARPA Perspective on AI. Defense Advanced Research Projects Agency . Disponível em: https://www.darpa.mil/about-us/darpa-perspective-on-ai. Acesso em 20 de junho de 2021.
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