Projeto Guarani: A Retomada do Desenvolvimento de Blindados Militares no Brasil.

Marcos Antonio T. das Costa

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04/04/2021


INTRODUÇÃO

Em 2018, a intervenção na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro foi um dos assuntos mais comentados daquele ano no Brasil, principalmente pela decisão em confiar o controle ao Exército Brasileiro. 

A situação de calamidade na segurança traz a inexorável sensação de medo e impotência para a população, que vem, há anos, convivendo com as ações de grupos armados, principalmente assaltos e assassinatos, especialmente na capital carioca.

Nesse contexto de emprego maciço de tropas e meios militares, que contou com grande cobertura de mídia, nacional e internacional, merece destaque a utilização ampla das Viaturas Blindadas para Transporte de Pessoal Média Sobre Rodas (VBTP – MSR) Guarani, que desde 2014 encontram-se em ação em algumas Unidades e Grandes Unidades do Exército, como as que compõem a 15a Brigada Infantaria Mecanizada, de Cascavel-PR; a 9a Brigada de Infantaria Motorizada, do Rio de Janeiro – RJ; a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, de Dourados – MS, entre outras.

O objetivo desse artigo é analisar o projeto Guarani desenvolvido pelo Exército Brasileiro para a mecanização da Infantaria e a substituição dos antigos Cascavéis e Urutus, orgânicos das Unidades de Cavalaria, pelo novo blindado Guarani.

O PROJETO GUARANI

A partir das diretrizes da Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END), o Exército Brasileiro implementou projetos de modernização e transformação, que envolvem diversos aspectos da Defesa, tanto em material, quanto em pessoal e de mentalidade.

O Programa Estratégico do Exército (Prog EE) foi organizado em um Portfólio Estratégico do Exército (Port EE) com projetos de execução de médio e longo prazo, que possibilitam a modernização da Força Terrestre a fim de cumprir suas missões constitucionais.

Fazem parte do portfólio, além do Projeto Guarani, os projetos: Astros; Aviação; Defesa Antiaérea; Defesa Cibernética; Obtenção de Capacidade Operacional; Proteger; e SISFRON, que integram o subportfólio Defesa da Sociedade. Os projetos: Amazônia Protegida; Gestão de Tecnologia da Informação e Comunicações; Logística Militar Terrestre; Sentinela da Pátria; Pense Engenharia; e Sistema Operacional Militar Terrestre integram o subportfólio Geração de Força. E por fim, os projetos: Força de Nossa Força; e Educação e Cultura integram o subportfólio Dimensão Humana (Exército Brasileiro, 2020).

O projeto do Blindado Guarani teve início em 1999, com a emissão dos Requisitos Operacionais Básicos (ROB) do futuro veículo, que seria parte de uma nova família de blindados para substituir os veículos Cascavel e Urutu. Constava do ROB a necessidade de um conceito modular, a fim de que o veículo operasse com diferentes torres, armas, sensores e sistemas de comunicações, o que lhe daria flexibilidade para atuar em diversas situações. O projeto prevê versões para transporte de tropa, comando e controle, ambulância, socorro e apoio de fogo, com possibilidade de emprego de morteiros e obuses, todos empregando o mesmo chassi, componentes eletrônicos e capacidades, como defesa química, carroceria antiminas, proteção balística, entre outros (Dias, Santos, Ramos, 2018).

 Um projeto ambicioso e necessário, com intenção de desenvolver a capacidade de mobilidade, potência de fogo e choque das unidades mecanizadas do Exército, ainda mais se considerarmos que desde a década de 1970, não havia novidades em relação aos veículos blindados nacionais. Com o projeto, a Indústria Nacional de Defesa também ganha destaque, com um produto com grande potencial de exportação, ainda mais se considerarmos que a propriedade intelectual é do Exército e 60% de sua composição é brasileira (Dias, Santos, Ramos, 2018). Com o Guarani, o Exército pretende aumentar sua capacidade operacional, o poder de dissuasão e aumentar a projeção militar brasileira no cenário internacional.

A IVECO, empresa de capital italiano e ramos da FIAT, foi selecionada para desenvolver o projeto juntamente com o Exército e, em 2006, após acordo com o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, iniciou os trabalhos para entregar 2.044 veículos em 20 anos, ao custo de mais de cinco bilhões de reais.

O Guarani, sem dúvidas, é um excelente veículo e, mais do que isso, uma arma de excepcional qualidade, com capacidade semelhante às de outros melhores exércitos do mundo. No momento, as Organizações Militares estão recebendo veículos de transporte de pessoal, próprias para a Infantaria e Cavalaria. O projeto teria sua conclusão em 2030, mas foi readequado para 2039, com um número menor de veículos para atender uma menor quantidade de unidades militares (Exército Brasileiro, 2020). Hoje, o quantitativo necessário é de 1580 veículos, mas o custo corrigido aumentou para 5,9 bilhões de reais, o que gerou uma investigação no Tribunal de Contas da União.

Para 2020 estava prevista a entrega da versão de transporte de pessoal para uso na Engenharia, mas ainda está em estudo. Nos próximos três anos, além da continuidade da fabricação dos modelos de transporte para Infantaria e Cavalaria, há a previsão para a obtenção da versão para Comando e Controle (Exército Brasileiro, 2020).

Com pouco mais de 7,0 metros de comprimento por 2,4 metros de altura, esse blindado com capacidade anfíbia possuiu tração 6X6, com possibilidade de trafegar tanto em terreno arenoso como em asfalto. Sua blindagem proporciona segurança contra munições com calibre até 7,62mm perfurante e estilhaços de granadas de artilharia, além de proteção contra minas anticarro. Sua guarnição, na Infantaria, é composta por um Grupo de Combate (GC) com nove homens, incluindo o sargento, comandante de carro, além do motorista e o atirador da metralhadora ou canhão, totalizando 11 homens (Ministério da Defesa, 2015).

 Sobre sua potência de fogo, a versão com metralhadora pode utilizar, uma por vez, tanto as conhecidas Browning .50 polegadas ou MAG 7,62mm, acopladas em uma torre controlada remotamente, denominada Sistema de Armas Remotamente Controladas (SARC), o que possibilita ao atirador atuar protegido dentro do Guarani. Há, também, uma versão com torre manual, com atirador atuando externamente ao veículo. O canhão UT30BR de 30mm também é empregado com o SARC e atua em proveito de uma Companhia de Fuzileiros Mecanizada (Ministério da Defesa, 2015).

Um veículo com muitos recursos, e que custa, sem o SARC, em torno de quatro milhões de reais cada unidade. Com a inclusão do sistema de armas, o valor pode chegar a sete milhões. Valores pagos anualmente com recursos do orçamento do Exército.

Com um volume tão grande de recursos para um único projeto, é necessário que suas diretrizes sejam alinhadas com as necessidades sociais do País, de modo que a sociedade tenha frutos positivos de sua implementação.

O Estado-Maior do Exército considera que o projeto Guarani, assim como os demais projetos do portofólio, poderá contribuir com a segurança pública e com a paz social, ao ser empregado para proteção da população em momentos de crise de segurança e na proteção da infraestrutura estratégica. Poderá, também, desenvolver a Indústria de Defesa Nacional, com o desenvolvimento de novos equipamentos de tecnologia da informação, de novos materiais e de novos recursos tecnológicos; poderá trazer dividendos para o Brasil com a comercialização desse equipamento; e por fim, os projetos podem contribuir com o desenvolvimento nacional, pela geração de empregos, e pelo surgimento de empresas que fornecerão equipamentos complementares, o significará a geração de renda e tributos, além de outros pontos positivos. (Exército Brasileiro, 2020).

A geração de empregos relacionada ao Guarani começa com os empregos diretos da Fábrica da IVECO instalada em Sete Lagoas – MG, e uma cadeia produtiva que chega a quase 1.500 empregos indiretos com a fabricação de componentes do veículo, como o SARC, blindagem, pneumáticos, pesquisa, sistemas hidráulicos, mecânicos e de comunicações, entre outros componentes que favorecem a Indústria Nacional (Dias, Santos, Ramos, 2018). Considerando os empregos induzidos, o número pode chegar a mais de 10 mil profissionais (Exército Brasileiro, 2020).

 Algumas dessas previsões já se confirmaram com o emprego do veículo durante a Operação São Francisco, na comunidade da Maré, em 2014 e 2015; durante dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos RIO 2016; e durante as ações da Intervenção na Segurança Pública, em 2018, todas as ações do Rio de Janeiro. Ademais, também, é empregado em diversas operações de menor vulto, principalmente na fronteira sul, onde está a maioria dos blindados, além de atividades de adestramento de tropa, formação de oficiais e sargentos e desenvolvimento de doutrina própria para esse veículo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o ano de 2020 foram entregues mais de 500 veículos para atender os quartéis brasileiros, um número menor do que o inicialmente planejado, pois o projeto sofreu ajustes devido à crise econômica. A capacidade de entrega da fábrica de Sete Lagoas é de 200 blindados por ano, mas hoje, essa modificação firmou um acordo para 60 unidades/ ano, que não deve ser reduzida novamente, mesmo com as conseqüências econômicas advindas da pandemia do COVID 19. Apesar da redução, a mecanização prevista para o Exército não sofreu abalos e continua como uma de suas principais metas.

Um projeto Guarani é uma proposta de retomada nesse setor de material bélico: a fabricação de blindados. Os áureos anos 1970, em que o Brasil, por meio da extinta ENGESA, fabricava bons veículos de combate que foram sucesso dentro e fora do País, são um exemplo que com pesquisa e investimentos bem planejados, é possível atingir bons níveis de sucesso na Indústria de Defesa, que por sua vez, não deve servir como uma simples propaganda de governo, mas um instrumento estratégico de Estado.

REFERÊNCIAS

AMBROS, Christiano Cruz. Indústria de Defesa e desenvolvimento: controvérsias teóricas e implicações em política industrial. Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais. v. 6, n. 11, jan/jul 2017, p. 136-158. Disponível em https://seer.ufrgs.br/austral/article/view/74955. Acesso em: 10 jan de 2021.

DIAS, Luciano; SANTOS, Alzeir; RAMOS, Carlos. A nova estratégia nacional de defesa e o alinhamento do programa estratégico Guarani do Exército Brasileiro. Revista da Escola Superior de Guerra, v. 33, n.69, p. 174 – 197, set/dez 2018. Disponível em https://revista.esg.br/index.php/revistadaesg/article/view/998. Acesso em: 10 Jan 2021. 

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA (END) – 2012. 

MINISTÉRIO DA DEFESA - EXÉRCITO BRASILEIRO, Manual Técnico 2355-005-12, 12ª Parte, DESCRIÇÃO E OPERAÇÃO,Viatura Blindada de Transporte de Pessoal 6X6 Guarani – Média Sobre Rodas, 2015. 

POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA (PND) – 2012.  

Exército Brasileiro. Revista Portfólio Estratégico do Exército. Disponível em http://www.epex.eb.mil.br/index.php/publicacoes. Acesso em: 10 jan de 2021.


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